Os girassóis de Mariana
Arquivo Pessoal

Uma máxima da sabedoria popular diz que os pais jamais deveriam enterrar seus filhos. É algo antinatural. Dor tamanha, que transcende qualquer compreensão. Muitos que passam por este calvário não conseguem superar, esmorecem. Outros, mesmo carregando a eterna ferida acesa, buscam um significado diferente para o vazio da partida. São pais que mantém viva a memória de seus filhos, seja por meio de homenagens, objetos, lugares ou até mesmo em outras pessoas. Há situações em que as memórias, de tão vivas, florescem, como no caso da cabelereira Elisangela Piccin, 46, e os seus girassóis.
No dia 19 de março de 2018, Elisangela perdeu a filha, Mariana da Cunha Piccin, que não resistiu a uma cirurgia no intestino e faleceu aos 24 anos de idade. A jovem, que tinha Síndrome de Down, vivia um momento muito especial. “Fazia três meses que ela tinha sido contratada para trabalhar em uma farmácia. Estava realizada, se sentindo (risos), mas durou pouco”, relembra a mãe. Elisangela conta que recebeu uma ligação da gerente da filha, dizendo que a jovem estava passando mal. “Fui buscar a Mariana e levei ela à UPA. O médico disse que eram gases. Três dias depois, ela passou mal novamente, deu entrada na Santa Casa de Santa Cruz do Rio Pardo e não resistiu a uma operação”, afirma a cabelereira. No dia do velório, uma amiga de Mariana, que morava em Bauru, entregou à Elisangela uma semente de girassol. “Ela disse que era a sementinha do amor”, revelou a cabelereira. O gesto singelo fez com que Elisangela se lembrasse de uma cena marcante, ocorrida dois meses antes da morte da filha. “A gente estava conversando e a Mariana olhou para minha mãe e disse: ‘vó, você já está velha, está na hora de morrer’. Eu disse para ela não falar assim com a avó, que ela ficaria triste, e que não é só velho que morre, todo mundo morrerá um dia”, conta a mãe. Segundo Elisangela, a filha a olhou assustada e disse: “Eu não vou morrer, vou ficar para a semente”, levando todos às gargalhadas. “Desde então, eu me apaguei muito com os girassóis”, diz Elisangela.
Algum tempo depois, a cabelereira também perdeu a mãe. Na missa de sétimo dia, Elisangela preparou uma lembrancinha, com uma foto e sementes de girassóis. “As pessoas foram plantando e três meses depois me mandavam fotos das flores”, conta, emocionada. Olhando para os girassóis, Elisangela se recorda, como se fosse ontem, do susto ao receber a notícia de que sua filha tinha Síndrome Down, do desespero logo na primeira semana de vida da recém-nascida, que teve de passar por uma cirurgia e ficar 60 dias internada em Botucatu e de toda a batalha para que Mariana se recuperasse e tivesse uma vida normal ao longo dos anos. “Os girassóis, para mim, têm um significado muito especial. É como se minha filha realmente tivesse ficado para a semente. Sigo a vida, com uma ferida no coração. As pessoas me perguntam o porquê de eu gostar tanto dos girassóis. Enfim, esta é a minha história”, disse.
Como cantaram Milton Nascimento e Lô Borges, “vento solar e estrelas do mar, um girassol da cor de seu cabelo; se eu morrer não chore, não; é só a lua”.