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Vaca Atolada: símbolo da comida de alma caipira

Publicada dia 03/07/2020 às 16:10:14

Reprodução

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Diego Singolani


Entre as tendências no cenário gastronômico dos últimos anos, o conceito de “comida afetiva” - derivado do termo inglês comfort food - foi um dos que mais ganhou espaço nas publicações no ramo e, claro, nas cozinhas - profissionais ou não. A ideia da comida afetiva se insere em um contexto de discursos e movimentos vinculados a certa nostalgia alimentar que pregam a valorização de uma alimentação mais natural em resposta à expansão da industrialização dos alimentos e a padronização de ingredientes e hábitos alimentares ao redor do mundo. A cozinheira e genial cronista Nina Horta (1939-2019), visionária que era, antecipou e classificou essa tendência no Brasil ainda nos anos 1990, sob a alcunha de comida da alma. “Comida da alma é aquela que consola, que escorre garganta abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora da dor, de depressão, de tristeza pequena. Não é, com certeza, um leitão à pururuca, nem um menu nouvelle seguido à risca. Dá segurança, enche o estômago, conforta a alma, lembra a infância e o costume” (Horta, 1996, p.15-16). Cozinha afetiva ou de alma, portanto, tem muita relação com a tradição, mas não somente. Um dos pratos que se encaixa perfeitamente nesta categoria é a vaca atolada, principalmente nos dias mais frios do inverno que já chegou.

O berço do famoso cozido que envolve suculentos pedaços de carne de panela (usualmente costela bovina), mandioca desmanchando, um bom refogado caseiro, um punhado de cheiro verde e pimenta, é a farta culinária mineira. O curioso nome, vaca atolada, tem várias explicações populares. A mais comum conta que teria surgido na época dos bandeirantes, por volta do século XVII, quando os tropeiros começaram as expedições em busca de ouro em Minas Gerais. Para a aventura, carregavam no embornal uma carne imersa em gordura, processo que preservava o alimento e garantia o sustento da trupe durante as viagens. Era comum nessas jornadas enfrentar temporadas de chuva e o gado encalhar. Quando isso acontecia, era o momento de fazer uma pausa e comer uma boa refeição. Misturava-se à carne o que era encontrado pelo caminho. Um belo dia, foi a vez da mandioca e voilá.

Dicas de preparo

Um dos grandes segredos da vaca atolada, para quem tiver tempo, é temperar a costela na véspera. E a panela de pressão agiliza o preparo: ao invés de quatro horas da carne no fogo, com ela demora-se, em média, duas horas. Para ficar mais leve, ao refogar a costela, retire o excesso de gordura que ela solta. A mandioca deve ser cozida separadamente e só vai para a panela da carne quando já estiver macia. “Ela terminará de cozinhar com a carne e engrossar o caldo. Com esse tempo longo de cocção, a mandioca ficará parte em pedaços e parte em purê; e a carne, desfiando”, explica a Chef Heloísa Bacellar, em artigo publicado no site Academia da Carne Friboi.

Vaca Atolada

Ingredientes

  • 2 kg de costela bovina bem carnuda separada pelos ossos em quadrados;
  • Suco de 1 limão;
  • 2 dentes de alho bem picadinhos;
  • 1 colher (chá) de pimenta-do-reino em grão;
  • 4 cebolas grandes fatiadas;
  • 1 pimentão vermelho em cubinhos;
  • 4 tomates sem sementes em cubinhos;
  • ½ xícara (chá) de cachaça;
  • 5 litros de água fervente (aproximadamente);
  • 1 buquê de ervas bem farto (salsinha, cebolinha, alfavaca e 1 folha de louro);
  • 1 kg de mandioca cozida bem macia;
  • 1 xícara cheiro verde;
  • Sal e óleo vegetal a gosto.

Modo de preparo

  • Tempere a costela na véspera com mais ou menos 1 colher (sopa) de sal, os grãos de pimenta, o suco do limão, 1 dente de alho, cubra e guarde na geladeira.
  • Numa panela bem grande ou num caldeirão, aqueça um fio de óleo e doure os pedaços de costela de todos os lados (descarte os grãos de pimenta).
  • Quando os pedaços estiverem bem dourados, junte a cebola, o outro dente de alho, o pimentão e o tomate e espere perfumar. Acrescente a cachaça, espere ferver, junte mais ½ colher (sopa) de sal, a água e o buquê de ervas.
  • Quando ferver, retire com uma concha toda a espuma que subir e siga retirando a espuma e a gordura que subirem durante todo o tempo de cozimento. Cozinhe a costela por umas 4 horas, até que a carne esteja se soltando dos ossos e muito macia.
  • Desligue o fogo, transfira os pedaços de costela para uma tigela e reserve. Coe o caldo, volte com ele para panela e leve à geladeira por umas 3 horas. Com cuidado para não desmanchar os pedaços de carne, solte e descarte as peles grossas e os pedaços grandes de gordura, depois coloque a carne na panela do caldo.
  • Retire a panela da geladeira e, com uma colher, descarte a camada de gordura da superfície. Leve a panela ao fogo e aqueça, então junte a mandioca e deixe ferver por uns 30 minutos, até uma parte da mandioca desmanchar e engrossar o caldo. Junte o cheiro verde e sirva com uma pimentinha.