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Empregado com câncer pode ser mandado embora?

Publicada dia 16/11/2020 às 13:47:44

Arquivo pessoal

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Diego Singolani


Todo mundo tem algum conhecido ou familiar que já enfrentou o duro tratamento contra o câncer, que afeta sua saúde física, psíquica e emocional, e todo o universo pessoal do paciente, interferindo em seus relacionamentos humanos e na sua vida profissional. Nesse período difícil, que exige tanta força, o empregado merece um tratamento especial e humano, mas o que encontra, muitas vezes, é uma postura totalmente oposta dos superiores, que chegam ao ponto de demitir o trabalhador “porque não está rendendo como antes”. O Atual convidou o advogado Enzo Pellegrino para falar sobre os direitos do trabalhador com diagnóstico de câncer. Confira os principais trechos da entrevista:

Atual - O empregado diagnosticado com câncer possui estabilidade? 

Enzo Pellegrino - Teoricamente, o câncer não gera garantia de emprego ao empregado, o que significa dizer que ele pode ser demitido sem justa causa mesmo que esteja doente. No entanto, há duas situações que impedem essa demissão: 1. Caso o câncer tenha como causa as atividades do empregado (ex.: o trabalhador tem contato direto com agrotóxicos em seu emprego e surge em seu organismo câncer relacionado com essas substâncias), pois nesse caso se trataria de doença ocupacional e ele teria estabilidade; e 2. Quando essa demissão é motivada exclusivamente pelo fato de o empregado estar doente, pois se trataria de dispensa discriminatória.

Atual - Quais outras doenças ou condições que geram estabilidade?

Enzo Pellegrino - Qualquer acidente de trabalho que gere afastamento do empregado por mais de 15 dias, com percebimento de auxílio-doença acidentário, gera estabilidade de 12 meses ao trabalhador. Em alguns casos, as empresas não emitem a CAT (comunicação de acidente de trabalho) e o trabalhador acaba recebendo o auxílio doença comum, hoje renomeado como “auxílio por incapacidade temporária”, e sobraria a ele a alternativa de buscar o Judiciário para reconhecimento da ocorrência do acidente. Nesse ponto, nossa lei equipara as doenças ocupacionais (as que ocorrem em razão do exercício das funções do empregado) ao acidente de trabalho, então qualquer doença que esteja relacionada ao trabalho pode gerar estabilidade ao empregado. Essa distinção entre doença comum e doença ocupacional é muito importante porque define se o empregado terá ou não a estabilidade e, além disso, o empregado afastado por doença ocupacional tem direito a receber FGTS durante todo o período de afastamento, o que não ocorre em se tratando de doença que não seja relacionada ao trabalho.

Atual - Quando a demissão de um empregado doente pode ser enquadrada como discriminatória?

Enzo Pellegrino - Segundo nossa lei, “[…] é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros […]” (art. 1º da Lei 9.029/1995). O texto é bastante claro e abrangente, e significa dizer que qualquer demissão que seja por algum desses motivos será presumida como discriminatória para todos os fins. Tratando-se do empregado adoecido, a dispensa será discriminatória quando for motivada exatamente pelo fato de estar doente, sem qualquer outra justificativa, pelo que não seria demitido se estivesse saudável.

Atual - Uma demissão nesse contexto dá margem para uma ação indenizatória?

Enzo Pellegrino - Sim! Inicialmente, vale ressaltar que nossa lei (Súmula 443 do TST) presume discriminatória a despedida de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito. Isso é importante porque interfere no ônus da prova (a quem incumbe provar as alegações), uma vez que, sendo presumida a discriminação, caberia ao empregador a comprovação de sua inexistência.

Tratando-se de dispensa discriminatória, o empregado pode pleitear a reintegração ao emprego, indenização por danos morais e até mesmo pagamento em dobro de todos os salários devidos durante o período de afastamento.