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É possível usucapião de herança?

Publicada dia 24/06/2024 às 13:19:40

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Quem estudou Direito sabe que a resposta para grande parte das perguntas de cunho jurídico é “depende”.

Se um cliente vem até o meu escritório e me pergunta: — Doutor, posso pedir a usucapião de uma casa que meus pais deixaram ao falecer? Eu respondo: — Depende! Você, leitor, deve estar se perguntando: Por que depende? Vou explicar com dois exemplos!

Exemplo 1: Imagine que José é filho único e perde os seus pais, que lhe deixam uma casa de herança avaliada em R$ 2 milhões. José deve fazer o inventário dessa casa. Ocorre que esse inventário lhe custará uns bons trocados. Somente com o imposto denominado ITCMD, ele gastará em torno de R$ 80 mil (usando como referência a alíquota do estado de São Paulo), fora emolumentos e honorários advocatícios. Então, ao invés de fazer o inventário, que é o correto, José faz o seguinte: aguarda anos até atingir o tempo necessário para pedir a usucapião. Atingido o tempo, ele pede a usucapião e economiza o imposto e, dependendo do caso, até os emolumentos. Nesse caso, não é possível a usucapião de herança, pois o intuito não é resolver um problema que só a usucapião pode resolver, mas burlar o sistema.

Exemplo 2: Imagine que José, João e Maria perdem os seus pais, que lhes deixam uma casa de herança. Contudo, naquele momento, eles não possuem a menor condição financeira de fazer o inventário. João mora em uma casa própria que seus pais compraram para ele quando se casou. Maria também mora em uma casa própria que seus pais compraram para ela quando se casou. José, entretanto, ganharia uma casa de seus pais quando se casasse. Pelo fato de José não ter casa própria, ele fica morando na casa que era de seus pais sem a oposição de seus irmãos e sem pagar qualquer valor à título de aluguel. Anos se passam, José se casa e a situação permanece a mesma. Quinze anos depois, a situação permanece da mesma forma e, durante esse período, nenhum deles se lembrou da necessidade de fazer o inventário. Acontece que, durante esse tempo que ficou morando na casa, José chegou à conclusão de que, se os seus pais deram uma casa para João e uma casa para Maria, ele tinha o direito de ficar com a casa que era dos pais para ele. Aliás, ele já se sente único dono da casa. Nesse caso, se os irmãos de José não concordarem em fazer o inventário e renunciar à parte que lhes cabe da casa, ele pode pedir a usucapião.

Veja que, no primeiro exemplo, a intenção de José era praticar um ato, no mínimo, imoral. No segundo exemplo, contudo, a situação era outra: José acreditava que tinha direito ao total da casa, e a forma de buscar a satisfação desse direito era a usucapião.

Deu para entender o porquê do “depende”? Se a intenção é boa e o pedido é juridicamente possível, dá para fazer a usucapião. Mas, se a intenção é dotada de má fé, sem chance! Não existe jeito certo de fazer a coisa errada.

Um grande abraço.

Deus te abençoe.

Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei. (Gálatas 5.22-23).

Carlos Henrique Rodrigues Nascimento é advogado pós-graduado em Direito Imobiliário, inscrito na OAB/SP sob o nº 328.529 e autor de artigos jurídicos publicados em periódicos especializados em Direito. E-mail: chrn.nascimento@gmail.com