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Amor no divã: o profissional pode se relacionar com o paciente?

Publicada dia 02/09/2020 às 11:26:52

Arquivo Pessoal

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Diego Singolani


A relação do profissional da saúde com o paciente é estabelecida sobre critérios fundamentais como respeito, confiança e sigilo. No campo da psicologia e psiquiatria, que, muitas vezes, lida com a vulnerabilidade psicoemocional do ser humano, a conduta ética do profissional também significa a proteção do paciente fragilizado. Neste contexto, e para além das romantizações de filmes e séries, o relacionamento amoroso entre o psicólogo e seu paciente representa um risco ao tratamento terapêutico, e também uma violação do código de ética da profissão. O Atual convidou o psicólogo Felipe Rissato Galan para abordar o assunto polêmico. Confira os principais trechos da entrevista: 

Atual - Por que o relacionamento amoroso entre psicólogo e paciente ainda é um tabu social?

Felipe Galan - Não vejo como um tabu social, mas como uma prática errada do ponto de vista do código de ética da profissão, por questões científicas comprovadas sobre a importância da neutralidade e da confiabilidade, ou seja, dos princípios básicos da conduta do psicólogo e pelo desconhecimento da população como um todo, mediante o real trabalho desse especialista. Estes devem ser a base primordial do relacionamento com o paciente, pois com a confiança vem o respeito e a cumplicidade necessárias para o compromisso, acordado dentro de um consultório, de zelar pela saúde do ser humano. A psicologia diferentemente da medicina, ainda é uma área muito desconhecida e cheia de preconceitos, como achar que o serviço do psicólogo, por exemplo, só serve para “loucos”.

Atual - Que tipo de consequências legais o profissional pode sofrer ao se envolver com um paciente?

Felipe Galan - Os profissionais da saúde, como os médicos e os psicólogos, precisam atuar dentro dos seus respectivos códigos de ética. Nestes códigos, vêm descritos quais são as condutas que estes profissionais devem adotar. Como  medida de exemplo, no art. 2º alínea J,  ao psicólogo é vedado: ‘Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado’. Então, segundo o código de ética da Psicologia, caso o profissional desrespeitar algum artigo ali prescrito, ele poderá sofrer alguma penalidade quando for julgado, como: advertência, multa, censura pública, suspensão do exercício profissional ou até cassação do exercício profissional. 

Atual - E no caso do psicólogo se envolver com o ex-companheiro (a) do seu paciente? Quais os desdobramentos éticos, na sua avaliação?

Felipe Galan - Nesta situação, caso o psicólogo descubra que a pessoa da qual ele se relaciona tem ou já teve algum vínculo com o seu paciente, o mais aconselhável é seguir o que o código de ética da sua profissão estabelece, como no art. 1º alínea K: ‘Sugerir serviços de outros psicólogos, sempre que, por motivos justificáveis, não puderem ser continuados pelo profissional que os assumiu inicialmente, fornecendo ao seu substituto as informações necessárias à continuidade do trabalho’. E podemos trazer também o artigo 2º alínea J, como respondido na pergunta anterior. Sendo assim, é recomendado encaminhar o paciente a outro psicólogo, pois o foco do psicólogo é a saúde do paciente e nada pode comprometer o tratamento, mesmo sendo um simples relacionamento.

Atual - Se o profissional utilizar informações pessoais fornecidas pelo paciente durante a consulta fora deste contexto ele incorre em algum crime?  

Felipe Galan - Não entraria como um crime, no entanto como uma penalidade. A prática da confidencialidade de informações é uma responsabilidade tanto do psicólogo quanto do médico. Por exemplo, no art. 9º do código de ética do psicólogo vem descrito que: ‘É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional’. Logo, manter as informações seguras é uma forma do paciente confiar no profissional, pois este pode ser a principal ou até a única pessoa que o paciente confiará, para contar suas maiores dores e sofrimentos.

Atual - Na sua opinião, a ligação sentimental compromete totalmente a relação profissional/paciente?

Felipe Galan - Compromete sim, visto que os sentimentos distorcem a forma como enxergamos a realidade. O profissional necessita de certa neutralidade a fim de conseguir compreender melhor o que acontece com o paciente. Sem contar que a maioria dos pacientes procuram os profissionais da psicologia justamente por estes não terem vínculos com o círculo social deles, por serem neutros e aptos a ouvirem e auxiliarem os seus sofrimentos.

Atual - Se houver um interesse mútuo entre as partes, qual a saída mais adequada, tanto do ponto de vista ético quanto legal?

Felipe Galan - Quando isso ocorre, o esperado é que o psicólogo se posicione em relação à situação, e encaminhe o paciente para outro psicólogo, como esclarece no artigo 1º alínea K (como consta acima). Como destacado nas demais respostas, tudo o que profissional julgar como comprometedor a sua análise, diagnóstico ou tratamento, e que também esteja desalinhado com o código de ética da profissão, o psicólogo ou bem como o médico, devem tomar atitudes o mais rápido possível. Até porque o paciente não é obrigado a saber destas informações éticas e científicas sobre o relacionamento profissional.