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Leitores se dividem na briga papel x tela

Publicada dia 04/09/2019 às 12:13:52

Thaís Balielo

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Os amantes da leitura, seja ficção, documentário ou leitura técnica têm se dividido atualmente entre quem aderiu a tecnologia dos leitores digitais e os que não conseguem viver longe do cheiro do livro. Para a pedagoga Angélica Pall Oriani, 33, mestre e doutora em educação e coordenadora do curso de Pedagogia da USC (Universidade do Sagrado Coração) de Bauru, o suporte utilizado para a leitura não importa, mas sim a leitura em si.

“A leitura é fruto do seu tempo, criada e adaptada para uma determinada sociedade. O ato de ler passou por um processo que era desenvolvido de forma solitária, silenciosa, quase sagrado. Para depois, ir aos poucos sendo mais compartilhada. Na verdade é preciso analisar o uso que o leitor faz do livro”, diz.

Ela acredita que essa dificuldade em ler em telas e o gosto pelo papel seja uma questão emotiva. “Nós que transitamos da geração analógica para a digital, quando pensamos em leitura, temos essa relação com o livro, com o cheiro do livro. Todas essas questões são afetivas, cognitivas. Diferente das crianças de uma geração totalmente digital. A vida já se iniciou com elas acessando estes dispositivos. Com essas pessoas não há uma transição tão drástica”, aponta.

Sobre as pessoas estarem mais ligadas em seus smartphones e lerem menos, a pedagoga discorda. “É complicado afirmar que hoje as pessoas leem menos. Porque todas as nossas relações se passam através da escrita e leitura. Há alguns anos a gente ligava para as pessoas pelo telefone, ou conversava pessoalmente, hoje o WhatsApp é uma ferramenta que faz com que a gente leia mais e escreva mais. Lemos o tempo todo, muito mais do que há 10 ou 20 anos”, argumenta.

Em relação à leitura de livros e de textos que dê prazer, Angélica admite que a tecnologia propiciou o acesso das pessoas a uma quantidade absurda de material. Com um equipamento para ler e-books, a pessoa pode ter uma biblioteca na palma da mão.

“As fronteiras que eram mais rígidas hoje foram desfeitas. Porém, ter a possibilidade de acessar estes materiais não faz com que o indivíduo leia. A existência do livro ou de um arquivo no meu Kindle (aparelho para ler), não me faz ser uma leitora. A facilidade que um dispositivo proporciona, não está relacionada com esse desejo em ler. O gosto pela leitura é desenvolvido, é aprendido. Um suporte que otimize a leitura é um grande benefício. Mas ele apenas facilita para aquele que já é leitor. Não vai transformar um não-leitor em leitor”, alerta.

A jornalista Marina Belei revela que não se adaptou a ler livros e revistas em plataformas digitais, apenas jornais. “Eu não sei explicar direito os motivos. Eu amo o cheiro de papel e tinta, me remete a quando eu trabalhava em jornais, aquele cheiro de gráfica ficou guardado em mim como uma memória afetiva. Todo livro ou revista que eu pego, eu cheiro. É a primeira coisa que eu faço. As pessoas riem de mim muitas vezes, porque é tão automático que eu faço isso em qualquer lugar e qualquer situação”, revela.

Além disso, Marina gosta de ter o livro impresso para compor sua biblioteca particular. “O sonho de quase todo jornalista que eu conheço é ter uma biblioteca parruda em casa. E o meu também é. Pode até soar egoísmo, porque o conhecimento é pra ser compartilhado. Os livros podem até ser emprestados, só que eles precisam existir em casa”, brinca.

Ela revela que já leu em plataformas digitais algumas vezes e sempre conseguiu concluir a leitura, mas continua preferindo o papel. “E olha que eu trabalho numa empresa de tecnologia. Eu entendo que é uma tendência, acho positivo e às vezes sinto-me até mal por ter esse apego ao papel, por questões ambientais e por me sentir ultrapassada, jamais quero ficar pra trás quando o assunto é tecnologia”, afirma. Marina mora em São Paulo e seu trajeto casa-trabalho dura 50 minutos, tempo suficiente de ler muita coisa no metrô. Ela não sai de casa sem um livro na bolsa.

Técnica em radiologia, Maria Clara da Silva Peres, 27, conta que desde criança se interessou por leitura e leva um livro para todo lugar que vai. Atualmente está carregando um livro técnico utilizado para aprimoramento no trabalho, mas também gosta de romances, José Saramago, histórias de vampiros, terror e suspense. “Quando pego um livro que gosto muito, não paro até que vejo o fim. Então todo lugar é lugar. Realmente prefiro papel. Tenho vários e-books no meu celular, mas quando começo a ler cansa demais a vista e acabo desistindo”, revela.

A professora Mônica Stela Neli, 42, se rendeu a praticidade da leitura digital. Ela comprou um leitor de livros digitais (Kindle), pois lia no smartphone e acabava interrompida pelos outros aplicativos. “Gostei muito do aparelho. Consigo carregar vários livros sem carregar peso. Posso mudar a fonte, aumentar o tamanho da letra, posso ler arquivos PDF do trabalho também. Acho que tem muitas vantagens”, diz.

Mônica ainda usa livros físicos, mas alguns títulos prefere digital por ter acesso imediato ao comprar. O que levaria dias para chegar em casa se fossem físicos. A professora revelou que usa o Kindle para ler contos de mistério e investigação para seus alunos do 5º ano.