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Após perder o filho em acidente, psicóloga cria grupo de apoio para famílias em luto

Publicada dia 12/03/2020 às 09:57:03

Arquivo Pessoal

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Diego Singolani


A manhã daquele domingo, dia 22 de setembro de 2019, mudaria definitivamente a vida da psicóloga Sueli Kelly Gomes Pilizardo, 39. Sua memória preserva com dolorosa clareza o momento em que o telefone tocou, o recado de que o filho estava no hospital, a apreensão por não saber a real gravidade do que acontecia e o desespero ao se confrontar com a pior notícia que uma mãe pode receber. Wesley Gabriel Batista, 20, seu filho único, havia sido atropelado junto com outros três jovens por um motorista bêbado e não resistiu aos ferimentos. Duas adolescentes também morreram. A tragédia que abalou Santa Cruz do Rio Pardo desmoronou o mundo de Sueli. Aos poucos, porém, ela juntou os cacos, buscou se curar e decidiu ajudar outras pessoas a enfrentar este processo. Para isso, criou um grupo de apoio no Facebook e atende voluntariamente os participantes. 

Devido ao histórico de sua família, Sueli tinha um vínculo muito forte com Wesley. “Sempre fomos um pelo outro”, diz a psicóloga. Ela foi mãe jovem, aos 17 anos. O relacionamento com o pai de Wesley, entretanto, era conturbado, culminando com a separação do casal após o marido abandonar o lar. “Passamos por muitas dificuldades, meu filho e eu, com muitas contas atrasadas. Tivemos que pedir cesta básica na assistência social para sobreviver”, disse. A volta por cima de Sueli começou quando ela conseguiu um emprego em uma fábrica de doces. “A noite eu também trabalhava de garçonete para complementar a renda e pagar as dívidas”, relembra. Com o tempo, Sueli assumiu um novo cargo na fábrica, com um horário fixo, o que lhe permitiu ir em busca de um sonho maior: retomar os estudos. Ela se matriculou no supletivo, prestou o Enem e conquistou uma bolsa de estudos integral para cursar psicologia em Marília. Apesar das dificuldades, a realidade de Sueli e Wesley começava a melhorar. Até que veio a tragédia.

No dia do acidente, Sueli estava em Ourinhos (SP), para onde se mudou em 2017, após se casar novamente. “O Wesley preferiu ficar em Santa Cruz, morar com a avó. Não queria se afastar dos amigos”, explicou. Na manhã daquele 22 de setembro, Sueli recebeu a ligação de uma funcionária da Santa Casa de Misericórdia de Santa Cruz.  “Três semanas antes do acidente eu já estava com meu coração muito angustiado. Estava sonhando com ele, preocupada. Falava muito de Deus com o Wesley”, afirmou Sueli. Quando chegou à Santa Casa e foi informada da morte do filho único, a psicóloga entrou em desespero, passou mal e teve que ser socorrida. Ela nem fazia ideia de que, naquele momento, esteve praticamente cara a cara com o motorista alcoolizado que matou seu filho, que foi conduzido pela Polícia e colocado em uma maca ao seu lado. “Me trocaram de quarto. Depois entendi que era para me separar dele”, relembra.

Sueli não quis ver o filho no hospital e não conseguiu fazer o reconhecimento protocolar do corpo no Instituto Médico Legal (IML) de Ourinhos. “Eu queria preservar uma lembrança boa dele. Não queria tocar seu corpo frio”, declarou. Dias depois da morte do filho, Sueli buscou ajuda para enfrentar seu processo de luto, com terapia e uso de medicações com acompanhamento médico. “Foi muito sofrimento. Chorava muito. Ter que separar os documentos do Wesley foi uma das piores situações”, conta. “Quem está passando pelo luto, não quer ouvir de IML, velório. A pessoa ainda está assimilando, são diversas fases do luto, que pode levar até dois anos, com acompanhamento. Algumas pessoas não conseguem superar”, explicou Sueli.  A psicóloga, então, decidiu fazer do seu processo de cura do luto uma forma de ajudar outras famílias que enfrentam situação parecida. Ela já realizava um trabalho voluntário como psicóloga na comunidade “O Samaritano”, em Ourinhos, e após a morte do filho criou uma página no Facebook chamada Grupo de Apoio Para Mães de Luto - Wesley Gabriel, que hoje conta com 255 membros. Além de postar conteúdos sobre o assunto, a psicóloga se coloca a disposição para atender de maneira privada e voluntária as pessoas que precisam. “Criei o grupo em memória do meu filho e, ajudando outras pessoas, eu também me ajudo”, afirmou.

Assim como a morte levou subitamente um pedaço de Sueli, a vida também lhe reservou um quinhão surpreendente. Menos de dois meses após perder o filho, a psicóloga descobriu que estava grávida. A gestação de Mirella já completou 19 semanas e transcorre bem. “É o meu bebê arco-íris. Veio para colorir meu mundo que estava cinza”.