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“No meio do caminho tinha fé, tinha fé no meio do caminho”

Publicada dia 23/04/2020 às 11:40:24

Diego Singolani

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Diego Singolani


Mochila nas costas, chapéu ou boné, tênis reforçado, cajados nas mãos e um propósito guardado no peito. Esta será a indumentária e o espírito de um grupo de peregrinos de Santa Cruz do Rio Pardo que pretende encarar uma jornada a pé de 10 dias pelo Caminho da Fé, entre Águas da Prata (SP) e Aparecida (SP). Há quase um ano treinando, os aventureiros vivem um momento de incerteza da viagem programada para agosto, por conta da pandemia do novo coronavírus. Porém, seguem com a fé inabalável.

O Caminho da Fé é um trajeto de peregrinação inspirado no Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. São várias rotas que têm como ponto de chegada o Santuário de Aparecida. Um dos principais ramais, escolhido inclusive pelo grupo de santa-cruzenses, é o que parte do município de Águas da Prata. São 320 km percorridos de bicicleta ou a pé. Caminhando, a expectativa dos peregrinos é concluir a missão em 10 dias. Ao longo do trajeto, pousadas e pequenas propriedades rurais servem de apoio a centenas de mulheres e homens exaustos, mas de alma leve. O líder do grupo de Santa Cruz do Rio Pardo é um peregrino com vasta experiência. Geraldo Martelozzo, 66, eletricista aposentado, já fez o percurso 10 vezes de bicicleta e uma vez a pé. Em um único ano, chegou a percorrer o Caminho da Fé em quatro oportunidades. “Quando fui a primeira vez, há cerca de seis anos, achei que nunca mais conseguiria. Foi muito cansativo. Tem hora que você pensa que não vai dar certo, que vai abandonar. Mas eu consegui. E voltei várias vezes. Sempre parece que é uma viagem nova, diferente”, afirmou “Seo” Geraldo, como é conhecido. Ciclista de longas distâncias, com viagens para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e para a cidade de Aparecida (SP) no currículo, Seo Geraldo começou tarde no esporte. “Depois de me aposentar eu decidi praticar algum esporte e optei pelo ciclismo. Sempre gostei de bicicleta, mas quando criança não tinha condições de comprar uma”, disse. Martelozzo destaque que, além do condicionamento físico, alimentação e hidratação são fundamentais para encarar trechos de caminhada de até 40 km em um único dia. “O esforço é recompensado pelas pessoas que encontramos no caminho. Outros peregrinos, que se tornam amigos. Aquelas pessoas que nos ajudam ao longo da viagem. O meu propósito ao fazer o Caminho da Fé é apenas agradecer por ter saúde e condições de viver aquela experiência outra vez”, diz Seo Geraldo.

Partiu de Martelozzo o convite em agosto do ano passado para que dois amigos fizessem pela primeira vez o Caminho da Fé. Um deles é o fotógrafo Pedro Henrique Camarinha Figueira, 36. Pedro conta que os primeiros treinos foram na cidade, com percursos de 5 km, depois 10 km e 15 km de caminhada. Com mais condicionamento e seguindo as dicas de quem já esteve no Caminho da Fé, eles partiram para a zona rural, estradas de terra, para se adaptarem ao tipo de terreno que irão encontrar na jornada. Para o fotógrafo, apesar do extenuante esforço físico, o principal desafio será o psicológico, mantendo a concentração no objetivo da viagem. Religioso, Pedro afirma que tem um propósito pessoal ao chegar ao Santuário de Aparecida que mantém em total sigilo, até mesmo da esposa e da mãe. “Aconteceram algumas coisas na minha vida particular que me fizeram ter um propósito. Minha meta é concluir a caminhada. Minha fé me levará até Aparecida e espero que meu propósito seja alcançado”, disse Pedro.

Outro integrante do grupo é Carlos Henrique Orlando, 48, o “Jabá” da banca, que tem compartilhado parte da rotina dos treinamentos em suas redes sociais. “As pessoas me perguntam: você emagreceu? Eu respondo que isso também é bom, mas o foco da preparação é adquirir resistência”, afirma. Jabá saiu do sedentarismo para caminhadas diárias que já chegaram a 31 km. “Apesar de hoje estar acima do peso, o que me ajuda é o histórico de atleta. Eu era um ‘palito’ quando jovem. Praticava vários esportes”, revelou. Jabá, Pedro e Geraldo são companheiros de treino, mas outras pessoas também devem compor o grupo de peregrinos. Há certa apreensão pela viagem, já que todos foram surpreendidos pela pandemia do novo coronavírus e não se sabe se as pousadas e o próprio Santuário estarão abertos ao público até lá. “A quarentena atrapalhou os treinos, mas está tudo certo para irmos em agosto. Estamos em contato com grupos de lá que nos atualizam”, disse Jabá, que também tem um propósito de fé para a viagem mantido em segredo. “Têm horas em que eu já me vejo chegando na Casa da Mãe, com a minha família lá me esperando, depois de 10 dias longe, o que torna o momento ainda mais emocionante”, declarou.