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“Sei que ele está vivo em algum lugar”

Publicada dia 20/10/2020 às 10:20:02

Arquivo Pessoal

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Diego Singolani


“Eu não aceito! É mentira. Estou ouvindo o coração dele bater!”. Na noite do último dia 23 de setembro, Marcia Regina Claro de Oliveira, 47, ficou desorientada com o que lhe disse um médico da Santa Casa de Misericórdia. Ela não compreendia - ou não queria acreditar - na notícia de que o filho de 25 anos havia tido morte cerebral. Ao mesmo tempo em que começavam a processar o impacto terrível da perda, Marcia e sua família ainda tiveram que lidar com uma decisão complexa e que deveria ser tomada quase que imediatamente: doar ou não os órgãos de Rafael Claro Morbi de Oliveira.

O jovem deu entrada na UTI do hospital de Santa Cruz do Rio Pardo no dia anterior, após sucessivas paradas cardiorrespiratórias. Rafael era diabético do Tipo 1 e teve o diagnóstico da doença somente aos 22 anos de idade, quando começou a apresentar comprometimento no movimento das pernas e também perda de força. Por um tempo, ele conseguiu controlar a doença tomando corretamente a medicação, apesar do estilo de vida desregrado, sobretudo com a alimentação, de acordo com a própria mãe. Nos últimos seis meses antes de morrer, porém, Rafael ficou bastante debilitado. Foram três internações na UTI, além de inúmeras crises de falta de ar e vômito. Sua diabetes estava constantemente descompensada. Na terça-feira trágica, dia 22 de setembro, Marcia chegou em casa e soube por outra filha que Rafael não estava bem. “A porta do quarto dele estava fechada. Quando abri, entrei em desespero. Ele estava desacordado. Eu gritava, sacudia, mas ele não respondia”, relembra a mãe. Enquanto Márcia, em choque, tentava ligar para o socorro, a filha começou a fazer massagem cardíaca em Rafael. Minutos depois chegaram os bombeiros e, por fim, o Samu. Por quase uma hora, os profissionais lutaram para reanimar Rafael, a ponto de quebrar uma costela do jovem durante o procedimento. Da casa, ele foi para UPA, onde teve uma nova parada cardíaca. Estabilizado, foi transferido para a Santa Casa, onde teve sua morte cerebral atestada dias depois.

Márcia é casada e, além de Rafael, tem três filhos. Um mês antes da morte do jovem, durante um churrasco, eles conversaram sobre doação de órgãos. Mesmo em um ambiente descontraído, Rafael teria manifestado seu desejo de ser doador. “Eu não me lembrava disso, até que meu filho mais velho me falou. Isso me ajudou a tomar a decisão”, revela a mãe. Quando a equipe médica informou que Rafael só estava vivo por causa dos aparelhos, Márcia se revoltou. “Eu ainda tinha a esperança de Deus operar um milagre, de alguma coisa acontecer”, disse. Na quinta-feira, dia 24, médicos de Marília (SP) estiveram na Santa Casa e confirmaram a morte cerebral. Mais uma vez, Márcia e seus familiares foram questionados sobre a doação dos órgãos. Após uma longa conversa, em que todas as dúvidas da família foram sanadas, inclusive sobre os rigorosos critérios de escolha das pessoas que recebem as doações, eles concordaram. “Após compreendermos a importância desse ato, até meu marido disse que se algum dia algo acontecer com ele é para doarem seus órgãos”, conta Márcia.

O luto ainda é muito recente. A mãe afirma que é reconfortante pensar que Rafael está vivo de alguma forma, em algum lugar. “Que bom que uma família ou várias famílias não estão sofrendo, graças a doação do Rafael. Que bom que eles não estão passando pelo que nós estamos. Não é fácil perder um filho”, declarou. Márcia diz que, daqui a algum tempo, talvez um ano, gostaria muito de se encontrar com as pessoas que receberam os órgãos de Rafael. “Durante os dias em que ele esteve na Santa Casa, eu deitava no peito dele e escutava seu coração. Eu tenho essa vontade de chegar na pessoa e ouvir o coração do Rafael batendo - ou ver os olhos dele”, disse.