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Pacientes com hanseníase tem uma vida normal atualmente

Publicada dia 02/10/2018 às 12:20:25

Thaís Balielo

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A hanseníase, ou lepra, é uma doença que já causou muito preconceito e segregação dos doentes. Atualmente com tratamentos modernos, as pessoas portadoras desta patologia têm uma vida normal. A dermatologista Ana Lúcia Beltrame Gaspar falou sobre o tema com a reportagem do Atual.

Atual - A hanseníase já foi uma doença que causou muito preconceito e medo levando a segregação das pessoas. Hoje não é mais assim?

Ana Lúcia - A hanseníase é uma doença muito antiga, com relatos bíblicos do seu acontecimento, e realmente gerou muito preconceito e segregação das pessoas até o século passado, com a construção de hospitais e vilas afastados da cidade, onde as pessoas viviam isoladas da sociedade, para realizarem tratamentos ou mesmo morarem. Atualmente, esse cenário já melhorou muito, com os novos conhecimentos sobre a doença e seus tratamentos, levando à cura, mas infelizmente ainda existem pessoas que são mais resistentes e mantém certo preconceito sobre ela.

A - Ainda existem muitos casos de hanseníase no país? E em Santa Cruz?

AL - No mundo todo, 210 mil casos novos de Hanseníase são diagnosticados a cada ano, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo que o Brasil é responsável por 11,6% dos casos, com mais de 25 mil portadores da doença, o que faz com que o nosso país seja o segundo com maior número de casos no mundo. E desse total, 6% são crianças ou adolescentes. Existem casos também em Santa Cruz, que estão em tratamento no sistema público de saúde, pois os medicamentos são fornecidos pelo governo.

A - Qual é o sinal de alerta para se procurar um médico?

AL - É muito importante observar a sensibilidade das lesões cutâneas, pois o principal sinal é a diminuição ou perda de sensibilidade nessas lesões ou em até em áreas de pele aparentemente normal, que não desenvolveram lesão ainda. Sob qualquer suspeita, é necessário buscar a avaliação médica, em especial de um dermatologista, para que se possa fazer o diagnóstico o quanto antes, e se instituir o tratamento.

A - O que a doença causa?

AL - A hanseníase, comumente conhecida como lepra, é uma doença infecciosa causada pela bactéria Mycobacterium leprae, ou bacilo de Hansen, que lesiona os nervos periféricos e diminui a sensibilidade da pele. Geralmente, o distúrbio ocasiona manchas brancas ou vermelho-esbranquiçadas nas extremidades e que podem atingir todo o corpo, com diminuição da sensibilidade, do suor local, e, às vezes, queda dos pelos. Assim, é comum a formação de áreas infiltradas e nódulos, quedas de cílios e sobrancelhas, cegueira, impotência e alterações neurológicas, com perda ou diminuição de sensibilidade e deformidades nas mãos e pés, dependendo do estágio da doença.

A - Qual o tratamento?

AL - O tratamento da hanseníase é realizado com o uso de uma poliquimioterapia, que consiste na administração associada de três antibióticos: dapsona, rifampicina e clofazimina. A associação dos medicamentos evita a resistência medicamentosa do bacilo, que não é eliminado com o uso de um único medicamento. A rifampicina costuma eliminar até 90% da bactéria, por isso a necessidade de complementar com a dapsona, que pode ser usado diariamente em casa até o término do tratamento. Em casos de multibacilar, é acrescentado uma dose diária e outra vigiada de clofazimina. A classificação do paciente é de extrema importância para selecionar o esquema-padrão que os medicamentos serão administrados, estes variando de acordo com o tipo de hanseníase, se pauci ou multibacilar. O tratamento pode durar de 6 meses a 2 anos, de acordo com o tipo da doença, e as doses são adaptadas para as crianças. Ele é gratuito, fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e administrado em doses vigiadas nas Unidades Básicas de Saúde, sempre sob a supervisão de médicos ou enfermeiros, e doses administradas em casa. Esse tratamento leva à cura da doença atualmente.

A - Hoje em dia, a pessoa com hanseníase tem uma vida normal?

AL - Sim, o portador de hanseníase tanto durante como após o tratamento pode levar uma vida normal, pois as sequelas da doença são vistas apenas nos casos mais graves ou não tratados. Por isso é fundamental o esclarecimento da população sobre a doença e que os profissionais da área da saúde estejam atentos, para se fazer o diagnóstico precoce e se instituir o tratamento o quanto antes for possível.

A - Já tratou casos na cidade?

AL - Sim, tive casos aqui no consultório, mas encaminho para tratamento no posto de saúde, pois o governo fornece o medicamento gratuitamente. Segundo a Vigilância Epidemiológica de Santa Cruz do Rio Pardo, de 2008 a 2018 foram 19 casos confirmados em Santa Cruz do Rio Pardo. E a princípio no ano de 2018 não há nenhum caso confirmado.

Ritinha Emboava foi famosa “leprosa” da cidade

Santa Cruz do Rio Pardo tem uma história ligada a hanseníase com Ritinha Emboava. Ela foi uma bondosa e misteriosa mulher que viveu em Santa Cruz provavelmente entre 1871 e 1931. Pertencia à família Andrade, tida como uma das fundadoras oficiais de Santa Cruz do Rio Pardo e isso talvez explique o respeito que Ritinha recebia da população numa época em que os leprosos eram perseguidos e expulsos de qualquer lugar.

Ela morreu em 27 de outubro de 1931, vítima de lepra, doença altamente contagiosa na época. Segundo relatos, vivia esmolando pelas ruas da cidade e tinha um dom: promover “milagres”. Textos em jornais da época e livros também informam que Rita era extremamente bondosa e, mesmo com a terrível praga que a acometeu, procurava ajudar as pessoas.

São inúmeros os casos em que uma prece a Rita Emboava resultou em graça alcançada. Pelo fato da hanseníase ser uma doença muito antiga e de não ter tratamento específico, levando a deformidades no corpo, as pessoas tinham muito preconceito e medo de adquirirem a doença, levando à separação dos doentes em comunidades isoladas do restante da população.

Em Santa Cruz existe a capela da Rita no centro da cidade e outra no Cemitério Municipal. Estes locais ainda são visitados por fieis a espera de milagres ou agradecendo graças recebidas.