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Nazismo: memórias do horror vistas de perto

Publicada dia 06/02/2020 às 14:54:57

Arquivo Pessoal

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Na última segunda-feira, dia 27 de janeiro, diversas cerimônias e homenagens foram realizadas no mundo todo em alusão aos 75 anos de libertação de Auschwitz pelo Exército Vermelho. Em 1945, foi debelado o mais terrível campo de extermínio nazista, onde, no ápice do Holocausto, eram assassinadas cerca de seis mil pessoas por dia.  No Brasil, o tema já vinha sendo abordado com destaque pela imprensa e nas redes sociais uma semana antes, após o episódio em que o secretário Especial da Cultura do governo Jair Bolsonaro, Roberto Alvim, divulgou um vídeo que remetia a trechos de uma fala do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels. Alvim acabou demitido e a situação gerou um grande debate sobre a relativização e até normalização de discursos com caráter nazista e fascista nos dias atuais.   

Apesar do vasto material disponível para estudo e análise deste período nefasto na história da humanidade, a possibilidade de visitar os campos de concentração é única e densa. O Atual conversou com dois santa-cruzenses que estiveram recentemente na Polônia e na Alemanha e conheceram de perto os vestígios macabros do nazismo. Roque Marques Neto, 23, é jornalista e esteve em Katowice, na Polônia, em fevereiro do ano passado para cobrir a “IEM Katowice”, o maior campeonato de CS:GO (modalidade de eSport) do mundo. A cidade fica próxima a Auschwitz, a uma viagem de cerca de uma hora de trem, trajeto escolhido por Roque. O jornalista conta que estar em Auschwitz foi uma experiência muito diferente. “Apesar de entender a importância do local, conhecer os dois campos de concentração mais famosos não é nem de longe uma experiência alegre, mas é muito enriquecedora”, diz.  Roque destaca a maneira como as lembranças são mantidas ‘vivas’ e muito bem preservadas.  “Eles ensinam milhares de pessoas, diariamente, o quão terríveis foram aqueles anos de nazismo. Tive a oportunidade de conhecer a Topografia do Terror em Berlim também e os próprios alemães contam com muita vergonha toda essa história - que, é bom destacar, precisa ser lembrada para não acontecer novamente”, afirma o jornalista.

A psicóloga Estefânia Lorenzetti, 31, viajou para Cracóvia, no sul da Polônia, em setembro de 2019, para apresentar um trabalho no “41st ESPEN Congress on Clinical Nutrition & Metabolim”.  A cidade fica a 70 quilômetros do complexo de Auschwitz.  A primeira parada na visita de Estefânia foi a Birkenau, o maior dos campos, construído em 1941, com aproximadamente 175 hectares de extensão. “Minha avó é polonesa e sempre escutei relatos sobre parentes que se mataram ou que foram para os campos de concentração”, revelou a psicóloga.  Estefânia conta que seu impacto inicial foi com a grandiosidade da estrutura. “É enorme. Você observa de longe a linha do trem e os prédios de tijolos à vista”, diz. A psicóloga relata uma experiência bastante peculiar ao refletir sobre os sentimentos causados por aquele ambiente. “A todo o momento eu enxergava um paradoxo; a arquitetura impressiona, a preocupação com a estética é nítida, a estrutura por fora é bonita. Mas quando a gente se aproxima, entra nos espaços, percebe um cenário de horror, como um poste grotesco ou as cercas de arame farpado muito grosso”, descreve.  “As casinhas onde os judeus dormiam, vistas de longe, são bonitas. Porém, quando você entra, é uma lástima. Você se sente sufocado. O espaço é mínimo, como se eles dormissem debaixo de uma cadeira. Você fica pensando, como cabe uma pessoa ali?”, disse Estefânia. A estética nazista, na visão da psicóloga, pode ser definida pela beleza por fora e o terror por dentro.  “É difícil cair a ficha que toda aquela estrutura e organização administrativa foram construídas para matar pessoas. Famílias inteiras, pessoas comuns, crianças, velhos, mulheres, homens,  com suas casas, seus pertences, suas vidas, como a gente”. 

A segunda parada de Estefânia foi no Auschwitz, o campo de concentração original e que se tornou o centro administrativo do complexo construído posteriormente.  De acordo com a psicóloga, a beleza na arquitetura também é característica, desde a entrada, até nas ruas e galpões. “Tudo é muito silencioso. Você escuta o caminhar das pessoas no terreno acinzentado”, relembra. Em um dos galpões, objetos dos prisioneiros judeus são empilhados, como sapatos, malas e bolsas. “Você não enxerga o fim daquilo no horizonte”, diz Estefânia. Em outra instalação, são expostos objetos utilizados pelos nazistas imbuídos de executar a “solução final”, como latas de gás e injeções letais. “A experiência me fez refletir sobre a palavra extermínio. Quando você entra em contato com o campo de concentração você entende quantos significados cabem nessa palavra. Para mim, isso foi o mais forte”, afirmou.