Jornal Atual
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111 anos de Umbanda, religião dos oprimidos

Publicada dia 18/11/2019 às 17:56:40

Renan Alves

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Em tempos não de simples intolerância, mas de perseguição escancarada e fanática, já é por si só um ato político fazer memória de uma das religiões vítimas da perseguição cristã destes dias: a Umbanda. No dia 15 de novembro, a Umbanda entrou nos preparativos para a comemoração de seus 111 anos. Fundada em 1908, no Rio de Janeiro, esta forma de vivência do sagrado traz em seu bojo dois gestos de caráter eminentemente político: a resistência e a oposição a toda forma de preconceito. Estes gestos políticos que marcaram a fundação desta religiosidade tipicamente brasileira não se perderam, nem se enfraqueceram, ao contrário, se caracterizam até hoje como uma de suas mais fortes determinações.

 Saída de dentro do kardecismo, de onde traz a prática dos trabalhos mediúnicos e de ritos de incorporação, o desligamento com a doutrina de Kardec se deu em virtude de os espíritas não aceitarem o trabalho daquelas entidades que se identificavam e se identificam como caboclos (índios) e pretos-velhos (homens e mulheres negros que viveram em condição de escravidão).

Zélio Fernandino de Moraes é considerado o pai da Umbanda e tinha somente 17 anos quando foi convidado para uma sessão espírita, no Rio de Janeiro. Nesta ocasião, um espírito conhecido como Caboclo das Sete Encruzilhadas incorporou nele e proferiu as seguintes palavras: “Venho trazer a Umbanda, uma religião que harmonizará as famílias e há de perdurar até o fim dos tempos.” Este acontecimento marcou o início da religião conhecida atualmente como Umbanda.

Nos Centros de Umbanda realizam-se sessões de “passe”, no qual a entidade reorganiza o “campo energético astral” da pessoa. Igualmente são feitas sessões de “descarrego”, quando é captada a energia negativa da pessoa e transferida para os fundamentos do templo.

Os pontos de Umbanda são cantigas para louvar, chamar e se despedir do orixá e as linhas de entidades. Acompanhadas por instrumentos de percussão como o atabaque é importante conhecer o ritmo de cada orixá/entidade. 

Os devotos da Umbanda em Santa Cruz do Rio Pardo são discretos e reservados, mas o Templo de Umbanda Caboclo Pena Branca e Caboclo Pena Verde abriu suas portas para nossa redação e conversamos com alguns integrantes.

O dirigente espiritual do local, Carlos Eduardo Machado de Oliveira, 40 anos, contou que desde criança frequentava o terreiro de Umbanda da sua avó. “Fui à igreja católica, evangélica e não consegui me adaptar em nenhum lugar. Pra chegar aonde cheguei foram, em média, 30 anos. Estudei muitas ervas e benzimentos. O desenvolvimento espiritual leva tempo, não é só abrir um quartinho que dá tudo certo, estamos cuidando de vidas”, pontuou.

Plácido Vieira faz parte do corpo mediúnico do local e é chamado pelos integrantes de Pai Pequeno, ou seja, ele é o substituto do Pai de Santo do local. Plácido é nascido em Sorocaba (SP), morou em várias cidades e em todas frequentou terreiros de Umbanda. “Eu morava em Itapeva (SP) quando entrei pela primeira vez em um terreiro, aquela defumação, os cantos, as curas me chamaram a atenção e desde então não abandonei a religião”, conta.

Pedro Alisson Oliveira Gonçalves já é médium incorporante, mas frequenta Centros há poucos anos, já passou por várias religiões e foi na Umbanda que encontrou seu propósito de vida. “Eu me apaixonei pelo fato dela acolher todo mundo independente de sua história. Aqui ela muda porque quer mudar”, afirmou.

Quando o assunto é preconceito com a religião, os três concordam que falta conhecimento por parte da população. “Não existe maldade, ninguém faz o mal para outra pessoa e muito menos utilizamos animais. Infelizmente uma religião tenta ser melhor que a outra”, afirmou Plácido.

Os umbandistas acreditam na reencarnação. Para eles, os espíritos desencarnados estão entre nós com o papel de nos ajudar e nos dar avisos. Então, eles não estão aqui à toa, de acordo com a doutrina. Mas, não são todos espíritos que se manifestam. Os que entram em contato já são muito evoluídos e não precisam mais reencarnar em outros corpos. Neste patamar, eles conseguem se manter como espíritos para interagir com os humanos, ajudando as almas reencarnadas a manter o percurso da evolução.